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quinta-feira, 7 de março de 2013

Ignorância histórica, jurídica e política


É comum as pessoas reclamarem da intromissão de jornalistas em suas vidas. Afinal, a imprensa pratica abusos todos os dias. Mas qual o limite entre a vida pública e a privada quando se trata de personalidades políticas? O assunto é pertinente porque esta semana um vereador da nossa província se queixou da cobertura de alguns blogs a respeito de assuntos de sua vida que ele considera particulares. Trata-se, na verdade, de críticas diretas e indiretas à sua atuação na Câmara. 

Mas será mesmo que o parlamentar tem razão? Vamos ver. Antes, um pequeno exemplo de como o desconhecimento do que seja a atividade jornalística, bem como do valor da liberdade de expressão, pode levar a decisões autoritárias e absurdas. Refiro-me à polêmica envolvendo o ex-presidente Lula e Larry Rohter, então correspondente do The New York Times no Rio de Janeiro. Na época, Rohter escreveu sobre os perigos para a Nação brasileira caso Lula continuasse a manter hábitos "pouco simpáticos de beber em público".

A reportagem sobre o consumo de bebidas alcoólicas pelo ex-presidente Lula – em tese, um assunto privado - quase rendeu ao repórter a expulsão do país, não fosse a repercussão negativa que o caso alcançou. Ao tentar cassar o visto de permanência de Larry Rohter,
o governo brasileiro deu um tiro no pé: além de provocar uma crise na Diplomacia brasileira e internacional, colocando toda a comunidade de jornalistas (brasileiros ou não) contra a própria Presidência da República, ainda contribuiu para construir uma imagem de Lula como  um líder beberrão e autoritário.  

Algum tempo depois, em visita ao Brasil para participar da Bienal do Livro, Larry Rohter falou sobre o caso, dizendo que a polêmica foi gerada por diferenças culturais. Segundo o ex-correspondente do The New York Times, “nos EUA, tudo o que um homem público faz e que pode afetar seu desempenho é levado em conta. Uma pessoa que foi eleita para um cargo não tem vida privada”. Já em nosso país, onde a democracia está em evolução, a liberdade de expressão ainda encontra muitos entraves, o que faz a notícia passar por vários crivos antes de ser publicada.

Em Chapadinha, esse problema atinge proporções absurdas. Para saber se determinada coisa pode ou não ser publicada, se vai ou não ofender este ou aquele coronel, é preciso consultar um oráculo. Cultura que é reforçada pelo aparato midiático local. Aqui se trata as autoridades com uma subserviência que beira ao ridículo. Muitos dos que se dizem “jornalistas” ainda utilizam uma linguagem parnasiana, arcaica, cheia de reverências e formalidades. Por falta de cultura geral e formação técnica, a maioria não tem a menor idéia do seu papel enquanto profissionais de imprensa.

Outro exemplo que poderia ser citado aqui é uma sentença do ministro do STF, Celso de Mello, quando julgou uma denúncia contra Diogo Mainardi, apresentada depois que o colunista de Veja pediu o impeachment de Lula. Diz o texto: “A liberdade de expressão e de crítica, cujo fundamento reside no texto da Constituição, assegura ao jornalista o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e exposta em tom contundente e sarcástico, contra quaisquer pessoas ou autoridades”. Viram? É justamente isso o que alguns políticos de Chapadinha - incluindo certos “adevogados” e dois ou três vereadores - parecem desconhecer.

Mas não custa relembrar aqui: quaisquer que sejam os atos "privados" de autoridades que possam interferir em sua vida pública têm interesse jornalístico e podem, sim, ser divulgados. Se alguém se acha ofendido e quer recorrer à Justiça, tudo bem. Trata-se de um direito assegurado a todos, não só a parlamentares. Mas daí querer judicializar toda e qualquer crítica apenas para tentar intimidar quem faz jornalismo de verdade, é uma estupidez. E uma perda de tempo, porque de nada adianta.

Como disse Celso de Mello: “É preciso advertir, notadamente, quando se busca promover a repressão penal à crítica jornalística, que o Estado não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as idéias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais dos meios de comunicação”. Portanto, em vez de discursos vazios e ameaças, a melhor maneira de diminuir a crítica e as cobranças dos jornalistas é apresentar projetos viáveis e importantes para o município. É levar uma vida coerente com a função que ocupa. O resto não passa de ignorância histórica, jurídica e política.
Ivandro Coêlho, professor e jornalista.
Fonte: Blog Café Pequeno

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