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quarta-feira, 31 de julho de 2013

Carolas ou prostitutas?


 
Ah, caro leitor, é só eu deixar o terreiro virtual por uns dias para o matagal voltar a crescer e as cobras e aves de rapina começarem a montar seus ninhos. O jeito é pegar meu facão e minha baladeira e mostrar quem “manda” nesta bagaça. Vamos lá. Nesses dias em que a temperatura no meio político local parece ter subido - com farpas e venenos sendo distribuídos a torto e à direita -, vejo florescer como erva daninha um discurso altamente retrógrado, nitidamente autoritário e profundamente perigoso para a democracia na nossa província. 

Obviamente não se trata de uma exclusividade dos canibais daqui. É apenas a nossa versão cabocla do pensamento “politicamente correto”, ecoado pela ignorância e pela preguiça mental de meia dúzia de falastrões que, em vez de lerem alguma coisa, preferem apelar para os lugares-comuns e para o pensamento fácil, numa  prosa eivada de falso moralismo e hipocrisia típicos dos mais renomados patifes. Estimulados por uma audiência medíocre, em geral formada por figurinhas carimbadas e sem expressão, pagas para aplaudir e disseminar seu lixo verbal nas redes sociais, esses boçais se transformaram nas novas estrelas tupiniquins do rádio e da net. São os nossos – imaginem! – formadores de opinião. Ou, como diria Mário Prata, os "F. de O.” da Chapada.

Entre os bufões de hoje, os miquinhos amestrados de ontem e as raposas de sempre há um ponto em comum: uma tentativa grotesca de interditar a livre expressão das ideias. No auge de sua arrogância e estupidez, julgam-se no direito de definir o que é certo e o que é errado, o que é de bom gosto e o que é ofensa, o que  é e o que não é literatura, o que deve e o que não deve ser publicado. Exatamente como  tentaram definir, durante doze anos, a pauta da esfera pública local, amparados no monopólio absoluto dos meios de comunicação da época por seus antigos patrões. Nesse período de fartura, garantido por gordos contratos e gratificações ilegais, alguns se tornaram mestres da manipulação e da distorção dos fatos, ocultando maliciosamente o que tinha de ser ocultado e arranjando saídas verbais mirabolantes para camuflar o descaso dos governos aos quais serviam.  

Agora que estão do outro lado da corda, os fanfarrões de outrora decidiram se travestir de paladinos da moralidade e, quando alguém revela a farsa, eles perdem as estribeiras. O problema é que esse histerismo, esse chororô, esse teatrinho cotidiano é inútil como tentativa de convencimento da população ou intimidação de adversários. De nada adianta alegar motivos familiares ou religiosos, ou ainda - como fez outro dia um desses patetas com cara de semente mal plantada - nos acusar de desrespeito a supostas autoridades (ele se autoincluindo, lógico!). Nada mais simiesco: a rigor, cabe à Justiça definir os limites a partir dos quais uma informação ou texto deixa de ter interesse público e passa a invadir o direito à privacidade das pessoas, e não meia dúzia de boçais, tagarelas virtuais que nada entendem de jornalismo nem de democracia.

O que estaria, então, por trás de tudo isso? Nada mais que uma acirrada disputa pela opinião pública em torno de fatos políticos relacionados ao poder local. Aparentemente, não há nada de absurdo nisso. O problema é que - ao mesmo tempo em que se arvoram no direito de realizar a crítica contundente e raivosa ao governo atual - buscam impedir o desnudamento de suas próprias contradições. Trata-se, evidentemente, de uma postura arcaica e provinciana, reflexo de muitos anos de escravidão e regimes autoritários pelo qual nosso país passou; um substrato do coronelismo e do regime de mando e senhorio, que faz com que algumas pessoas prefiram os acordos espúrios, o conchavo e o corporativismo ao livre debate, ao dissenso.

Na verdade, senhores, o que estamos vendo é um momento típico da "pós-modernidade", em que a vida cultural e política parece ser resultado do confronto intenso de textos, que, por sua vez, remetem a outros textos, muitas vezes sem conexão com os fatos e com a vida concreta das pessoas. Nesse cenário, ganha quem tem maior habilidade com as palavras e argumentos, ainda que eles nada tenham a ver com a realidade. Alguns de nossos colunistas se sentem confortáveis nesse ambiente fluido mas corporativo que sempre imperou por aqui. Daí o desejo de  impor um limite entre o público e o privado, em que todos discutiriam superficialmente os problemas locais sem jamais tocar nas contradições de cada um, como se os interesses pessoais passassem ao largo dos interesses políticos. Porém, até as pedras sabem que as coisas não funcionam assim na nossa província.

Além do mais, aqueles que entre nós hipocritamente reivindicam um debate "bem comportado" são os mesmos que, sempre que se sentem contrariados, não hesitam em esculachar no rádio ou em blogs seus adversários. Muito menos em liberar seus microfones para que porras-loucas sem escrúpulo despejem seu veneno diariamente nos ouvidos de uma população carente, enquanto nos bastidores acenam para o manda-chuva de plantão. A eles, lógico, isso não soa como ofensa.  Então, senhores, a questão é a seguinte: tentar impor fronteiras ou limites à discussão política atual é uma idiotice. Se alguém se sente ofendido, caluniado ou difamado, que acione a Justiça. Mas querer dizer o que pode e o que não pode em nome de uma suposta “elegância” ou “bons modos”, ou, ainda, do “nível elevado das ideias” é conversa pra boi dormir. É canalhice de prostitutas da pena (e da política) disfarçados de carolas.
 
Ivandro Coêlho, professor e jornalista.

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